terça-feira, fevereiro 17, 2009

De Barbizon a Pont-Aven


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De Barbizon, perto de Paris, a partir da segunda metade da década de 1830, a Pont-Aven, na Bretanha, junto ao Atlântico, depois dos anos de 1870 (Gauguin chega em 1886 e instala-se na Pensão Gloanec): caminhos do naturalismo francês, antes e depois do Impressionismo, antes e depois do rigor materialista no registo da impressão visual, derivando, para lá do naturalismo, por metafísicas simbolistas, em antecipação dos expressionismos novecentistas.

Explorem os recursos oferecidos pelos mapas do Google: aproximem-se e afastem-se, como se fossem habitar ou fugir do lugar, mas, sobretudo, não deixem de "clicar" em "Photos", no menu (topo superior, à direita, depois de escolherem a opção "View Larger Map") "More..." e verifiquem como o planeta já está todo fotografado (ao menos, à superfície):

Hoje em dia, tudo o que existe, existe para vir a acabar numa fotografia.
Susan Sontag, Ensaios Sobre Fotografia, Lisboa, Dom Quixote, 1986, pág. 32

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

À Marat

Jacques-Louis David (1748-1825), Marat Assassiné, 1793, óleo sobre tela, 165cm x 128cm, Musées Royaux des Beaux-Arts, Bruxelas

O realismo: já não é exibição milagrosa, maravilhosa ilusão, como no obviamente citado Caravaggio - é facto. David não põe na imagem o que aparece, mas o que desaparece: o que vai ser tragado pela sombra. Apresenta a imagem não como explicação, mas como se ela não constituisse nenhum comentário. Apresenta um facto: a morte de um político. Um tema do presente - e não da religião, da mitologia, ou do passado.

Propaganda: mas esse "facto", explica-nos coisas. A imagem diz que este homem poderoso e temido não usou o poder em seu proveito: lençol remendado (no extremo inferior esquerdo do quadro), caixote lascado a servir de secretária. Austeridade e pobreza que contrastam com o testamento político deixado pela assassina: tudo o que, aqui, nos é dado a ver exclui Marat do grupo de "tout ceux qui seraient tentés d'établir leur fortune sur les ruine des peuples abusés". Não há aqui "monstros", apenas a fragilidade do humano. David apresenta a imagem como um facto, quase como uma prova forense - ao contrário, a assassina ("Marie anne Charlotte Corday"), na petição que o assassinado exibe na sua mão esquerda, mentiu ("il suffit que je sois bien malheureuse pour avoir Droit a votre bienveillance"), mentiu para aceder à privacidade da sua vítima: a verdade desta imagem, contra a mentira daquelas palavras (palavras mentirosas apenas enquanto falso pretetxo, porque verdadeiras em si mesmas, insinua David: bastaria ser infeliz, para, efectivamente, se poder contar com a benevolência de Marat). A verdade de Marat, contra a mentira de Charlotte - diz a imagem, como se nada dissesse, fazendo nascer em nós a ideia da perfídia deste assassínio. A faca assassina, contra a pena benevolente - não a que é acusada de mandar os inocentes para a guilhotina, mas a que pela última vez se ergeu em ajuda de orfãos e viúvas. A inflamada retórica de Charlotte, contra a secura factual de David. De Charlotte, David só deixou a mentira, obliterando-lhe a presença e as razões.

Religião: é religioso o modelo desta propaganda. Não é só a "Deposição no Túmulo" (1602-03) de Caravaggio que pulsa sob(re) a obra, é toda uma tradição iconográfica a dizer-nos que este homem é, não um santo, mas um mártir da República. O século XVIII iluminista e revolucionário investiu na política as estratégias da propaganda religiosa, sobretudo católica.

Vazio: enorme, informe, paira o vazio sobre o morto. Não lhe promete eternidade, não lhe promete redenção. Esmaga, sufoca, inquieta.

E, no primeiro plano, a desarmante nota pessoal: "À Marat, David" - para o meu amigo Marat, do David. Sensibilidade (o amigo de David) ou bom-senso, leia-se racionalidade política ("O Amigo do Povo")?

O "testamento político" de Marie-Anne-Charlotte de Corday d’Armont (1768-1793), Adresse aux Français Amis des Lois et de la Paix, no qual apresenta as razões para o assassínio de Jean-Paul Marat (1743-1793), encontra-se transcrito no artigo francês da Wikipedia dedicado a esta personagem (de lá retirámos o excerto que se apresenta em imagem). As palavras que se encontram no papel sobre o caixote, em primeiro plano, exigindo, na sua saliência, que o leiamos, foram retiradas de Pierre-Alexandre Coupin, Essai sur J. L. David Peintre d'Histoire, Ancien Membre de l'Institut, Officier de la Légion-d'Honneur, Paris, Chez Jules Renouard, 1827 (e apresentam-se, também, em imagem).


Jean-Jacques Lequeu (1757-1826), Plan Géométral d'un Temple Consacré à l'Egalité; Pour le Jardin du Philosophe P***, 1794. O impressionante conjunto de todo o tipo de desenhos de Lequeu encontra-se "online" no "site" da Gallica. A obra de Boulée (1728-1799), foi já apresentada numa entrada anterior.

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Sense and Sensibility

Jacques-Louis DAVID (1748-1825), Le Serment des Horaces, 1784, óleo sobre tela, 3,30m x 4,25m, Museu do Louvre, Paris. [Clicar no título do "post" dá acesso a um novo "site"]
Horatius marched in front, carrying before him the spoils of the three brothers: his maiden sister, who had been betrothed to one of the Curiatii, met him before the gate Capena;[23] and having recognised on her brother's shoulders the military robe of her betrothed, which she herself had worked, she tore her hair, and with bitter wailings called by name on her deceased lover. The sister's lamentations in the midst of his own victory, and of such great public rejoicings, raised the ire of the hot-tempered youth. So, having drawn his sword, he ran the maiden through the body, at the same time reproaching her with these words: "Go hence with thy ill-timed love to thy spouse, forgetful of thy brothers that are dead, and of the one who survives--forgetful of thy country. So fare every Roman woman who shall mourn an enemy.
Titus Livius, Roman History, Books I-III

But what happened after Numa’s reign, and under the other kings, when the Albans were provoked into war, with sad results not to themselves alone, but also to the Romans? The long peace of Numa had become tedious; and with what endless slaughter and detriment of both states did the Roman and Alban armies bring it to an end! For Alba, which had been founded by Ascanius, son of Æneas, and which was more properly the mother of Rome than Troy herself, was provoked to battle by Tullus Hostilius, king of Rome, and in the conflict both inflicted and received such damage, that at length both parties wearied of the struggle. It was then devised that the war should be decided by the combat of three twin-brothers from each army: from the Romans the three Horatii stood forward, from the Albans the three Curiatii. Two of the Horatii were overcome and disposed of by the Curiatii; but by the remaining Horatius the three Curiatii were slain. Thus Rome remained victorious, but with such a sacrifice that only one survivor returned to his home. Whose was the loss on both sides? Whose the grief, but of the offspring of Æneas, the descendants of Ascanius, the progeny of Venus, the grandsons of Jupiter? For this, too, was a “worse than civil” war, in which the belligerent states were mother and daughter. And to this combat of the three twin-brothers there was added another atrocious and horrible catastrophe. For as the two 50 nations had formerly been friendly (being related and neighbors), the sister of the Horatii had been betrothed to one of the Curiatii; and she, when she saw her brother wearing the spoils of her betrothed, burst into tears, and was slain by her own brother in his anger. To me, this one girl seems to have been more humane than the whole Roman people. I cannot think her to blame for lamenting the man to whom already she had plighted her troth, or, as perhaps she was doing, for grieving that her brother should have slain him to whom he had promised his sister. For why do we praise the grief of Æneas over the enemy cut down even by his own hand? Why did Marcellus shed tears over the city of Syracuse, when he recollected, just before he destroyed, its magnificence and meridian glory, and thought upon the common lot of all things? I demand, in the name of humanity, that if men are praised for tears shed over enemies conquered by themselves, a weak girl should not be counted criminal for bewailing her lover slaughtered by the hand of her brother. While, then, that maiden was weeping for the death of her betrothed inflicted by her brother’s hand, Rome was rejoicing that such devastation had been wrought on her mother state, and that she had purchased a victory with such an expenditure of the common blood of herself and the Albans.

Why allege to me the mere names and words of “glory” and “victory?” Tear off the disguise of wild delusion, and look at the naked deeds: weigh them naked, judge them naked. Let the charge be brought against Alba, as Troy was charged with adultery. There is no such charge, none like it found: the war was kindled only in order that there

“Might sound in languid ears the cry
Of Tullus and of victory.”
Sto. Agostinho (354-430 d.C.), De Civitate Dei, [413-426], tradução de Marcus Dodd. Tradução francesa, online, com instrumentos de estudo. Texto original, em latim.

ACTE II , SCENE VII
Le vieil horace
Qu' est-ce-ci, mes enfants ? écoutez-vous vos flammes,
et perdez-vous encor le temps avec des femmes ?
Prêts à verser du sang, regardez-vous des pleurs ?
Fuyez, et laissez-les déplorer leurs malheurs.
Leurs plaintes ont pour vous trop d' art et de tendresse.
Elles vous feroient part enfin de leur foiblesse,
et ce n' est qu' en fuyant qu' on pare de tels coups.

Sabine
N' appréhendez rien d' eux, ils sont dignes de vous.
Malgré tous nos efforts, vous en devez attendre
ce que vous souhaitez et d' un fils et d' un gendre ;
et si notre foiblesse ébranloit leur honneur,
nous vous laissons ici pour leur rendre du coeur.
Allons, ma soeur, allons, ne perdons plus de larmes :
contre tant de vertus ce sont de foibles armes.
Ce n' est qu' au désespoir qu' il nous faut recourir.
Tigres, allez combattre, et nous, allons mourir.

ACTE II , SCENE VIII
Horace
Mon père, retenez des femmes qui s' emportent,
et de grâce empêchez surtout qu' elles ne sortent.
Leur amour importun viendroit avec éclat
par des cris et des pleurs troubler notre combat ;
et ce qu' elles nous sont feroit qu' avec justice
on nous imputeroit ce mauvais artifice.
L' honneur d' un si beau choix seroit trop acheté,
si l' on nous soupçonnoit de quelque lâcheté.

Le vieil horace
J' en aurai soin. Allez, vos frères vous attendent ;
ne pensez qu' aux devoirs que vos pays demandent.

Curiace
Quel adieu vous dirai-je ? Et par quels compliments...

Le vieil horace
Ah ! N' attendrissez point ici mes sentiments ;
pour vous encourager ma voix manque de termes ;
mon coeur ne forme point de pensers assez fermes ;
moi-même en cet adieu j' ai les larmes aux yeux.
Faites votre devoir, et laissez faire aux dieux.
Pierre Corneille (1606-1684), Horace, Paris, L. Hachette, 1862, nouv. éd. revue et augm. par Ch. Marty-Laveaux, pp. 311-313